Os cibernautas perguntaram e Aurélio Pereira respondeu. Das mais de 100 questões feitas, a redacção do jornal Sporting seleccionou perto de 20, às quais o responsável máximo pelo Departamento de Recrutamento «leonino» respondeu.
Luís Monteiro
Sócio n.º 42 625
Castelo de Paiva
– Já foi equacionada a construção de uma Academia Sporting na zona
Norte de Portugal, dos mesmos moldes/dimensão que existe em Alcochete?
– Temos um projecto de Escolas Academia que são da responsabilidade
de Diogo Matos, um projecto muito bem liderado e com grande êxito. É um
projecto de franchising, com o nosso know-how e, neste momento, temos
21 Escolas Academia em vários pontos do País, mas continuamos a
trabalhar no sentido de que outras se sigam.
João Carlos Antunes Oliveira
Idade: 35 anos
Sócio n.º 22 480
– Gostaria de saber quais os critérios que o sector do futebol de
formação segue na escolha dos seus treinadores, ou seja, se valorizam
todos os aspectos de formação do indivíduo, incluindo o amor pelo nosso
Sporting?
– Existe um perfil para os treinadores do Sporting que,
logicamente, é traçado pelo coordenador técnico. Neste perfil, existe
um conjunto importante de qualidades, não só técnicas, como humanas e
de liderança que ao coordenador técnico diz respeito.
A estrutura técnica tem, ao longo de todos estes anos, mantido grande
estabilidade e, por isso, não têm acontecido grandes alterações, sinal
de que as escolhas têm sido correctas. Posso dizer que cerca de cinco
treinadores que agora estão no futebol jovem, entraram pela área do
recrutamento. Todos eles se candidataram a uma entrada no Clube, ou
seja, foram alguém que se interessou, entregou um currículo e a quem
foi possibilitada a integração na rede de observadores, numa primeira
fase, sem qualquer compensação financeira. Investiram no trabalho de
recrutamento durante dois, três anos, numa tarefa que exige paixão e
sacrifício. Mais tarde, quando surge uma oportunidade para integrar
algum treinador, o coordenador técnico, com o seu sentido de
responsabilidade e em sintonia com o responsável do Recrutamento, opta
por uma solução encontrada dentro do Clube, porque aí é mais fácil
seleccionar, na medida em que já se conhece, não só a pessoa, como a
sua qualidade de trabalho. As alterações que aconteceram foram mais na
equipa de juniores, uma vez que o Paulo Bento foi promovido aos
seniores e o Luís Martins, que esteve bastantes anos ligado ao
Sporting, onde fez um bom trabalho, saiu porque quis abraçar um
projecto ao nível de seniores, neste caso, no Portimonense. O
substituto encontrado foi o José Lima, formado como jogador nas escolas
do Sporting, que foi internacional em todas as categorias,
inclusivamente na selecção «A», que se formou na Faculdade de
Motricidade Humana e tem um perfil adequado. Tem-se revelado uma pessoa
extremamente competente e encaixou perfeitamente na estrutura. É um
sportinguista convicto. Portanto, acho que a escolha feita pelo
coordenador técnico, Jean Paul, foi perfeitamente acertada.
Nuno Faria
Idade: 37 anos
São Bartolomeu do Sul, Castro Marim
– Como se consegue educar crianças e jovens para a bondade da
prática do futebol e para a justeza da competição, quando depois, ao
vivo ou em frente ao televisor, estes são colocados perante um
espectáculo que não é pautado por nenhum destes valores, ou seja, não
têm verdade, nem dignidade, nem honra?
– Este nosso sócio coloca o dedo na ferida e aqui vou falar como
adepto. Vou dar uma opinião pessoal de adepto. Na realidade nós todos,
dirigentes, treinadores, comunicação social, governos e pessoas de
todos os quadrantes, deveríamos deixar para os nossos jovens melhores
exemplos. Se não, vejamos: em Portugal, a meu ver, as pessoas gostam
pouco de futebol, mas têm paixão pelos clubes e são essas as únicas
pessoas que hoje vão aos estádios. Se verificarmos os programas de
televisão, da rádio, as declarações dos jornais, todos nós assistimos à
forma apaixonada como as pessoas do desporto, da cultura ou de todos as
classes sociais, com maior ou menor cultura, todas elas, aqui e ali,
defendem acerrimamente os seus clubes. Até aqui, é compreensível,
porque essa paixão faz parte do futebol. O problema é quando esta
paixão se transfere para dentro dos organismos que tutelam o futebol e,
nesta fobia completa do «controlar tudo», se escolhem pessoas
especializadas para gerir esses organismos, tais como a disciplina,
justiça, arbitragem, entre outros, vestindo de uma forma exagerada a
camisola do seu clube. Esta realidade tem sido a grande culpada da
falta de credibilidade que nós hoje encontramos, mesmo ao mais alto
nível de responsabilidades, o que é lamentável. Vimos escrito em
jornais coisas como: «Prefiro alguém com influência na Liga, do que um
ponta-de-lança», ou "Eu não quero a Federação Portuguesa de Futebol,
quero é o Conselho de Arbitragem" e, nesta ânsia de total controlo das
instituições que deviam ser credíveis, se instalou no futebol um clima
de total suspeição e desconfiança. Ora, quando nós sabemos que esta
paixão existe, quando nós sabemos que essa paixão, muitas vezes, passa
para as instituições que lideram os organismos que tutelam o futebol e,
quando essas paixões são utilizadas por pessoas que lá são colocadas e
que vestem a camisola do seu clube, não podemos estar à espera de
imparcialidade. E porquê? Porque quem controla quer continuar a
controlar. E ninguém, neste momento, acredita no que quer que seja. Nem
aqueles que têm ganho todos os anos, acreditam que é possível ganhar de
outra maneira. Esses são os que acreditam menos. E, na minha
perspectiva, vejo que ao longo dos meus 40 anos de Sporting e de
futebol, as pessoas preocupam-se com os lugares, com as escolhas das
pessoas certas para o controlo, vimos as guerras que existem Norte-Sul
e Sul-Norte promovidas por várias pessoas, e vemos comentários públicos
que são lamentáveis. Isto é o modo como se tem pautado o futebol
português. A meu ver, e não é para puxar a brasa à minha sardinha, o
Sporting tem sido o único Clube dos mais representativos a não utilizar
essa pressão que é de todo lamentável. Actualmente, o presidente
Hermínio Loureiro, que é sportinguista e escolheu bem, não veste a
camisola e não é pressionado pelo seu Clube. Vítor Pereira, que é sócio
do Sporting, não veste a camisola e também não tem sido pressionado.
Isto não é uma crítica, é apenas uma constatação. As pessoas do futebol
têm, efectivamente, de fazer alguma coisa que os dignifique aos olhos
dos nossos filhos para que os jovens, amanhã, nos possam olhar de outra
maneira.
Vítor Ferreira
– Com resultados mais do que provados na formação, por que razão não existe um elemento na SAD para esta área?
– Existe um elemento que é fundamental, o professor Pedro Mil-Homens
que dirige a Academia do Sporting de uma forma extremamente organizada
e, como tal, isso é determinante no nosso dia-a-dia.
Filipe Jorge
São Miguel, Açores
– A formação do Sporting é vista aos olhos do Mundo como sendo um
exemplo a seguir. Muitos são os jogadores que saíram da «cantera
leonina» e hoje estão em grandes clubes da Europa. Desta forma, como é
feita a captação de um jovem, desde a observação inicial ao ingresso na
Academia do Sporting?
– Há várias formas dos jogadores chegarem à Academia, mas aquela que é
mais frequente tem a ver com a informação que chega pela estrutura dos
coordenadores de zona e sua equipa em todos os distritos. A partir daí,
a informação é trabalhada e depois, o passo seguinte tem a ver com a
intervenção da estrutura central do Recrutamento e, finalmente, a
última decisão que pertence à estrutura técnica. A entrada na Academia
é aos 13 anos, em quase todos os casos. É uma estratégia nossa e, o que
acontece, é que esse jovem escolhido é acompanhado dois ou três anos
antes de entrar na Academia, normalmente já trabalhando debaixo da
nossa orientação, inclusivamente, integrado nas nossas equipas de
escolas ou infantis, que desenvolvem a sua actividade no Estádio
Universitário. Depois de entrar na Academia, segue o trajecto normal,
ou seja, até aos juniores de segundo ano, seguindo uma avaliação
contínua no seu percurso de formação.
Paulo Sérgio Alves
19 anos
Sócio n.º 36 087
Queijas
– Existe realmente uma proporcionalidade de qualidade/valor de um
jovem, isto é, se observar um jogador de grande qualidade, é interesse
do Sporting contratá-lo, mesmo que esteja valorizado em milhões de
euros por um clube que admita vendê-lo?
– Cada caso é um caso. Se realmente a qualidade do jovem atleta for
perfeitamente suportada por informação técnica, a Administração da
Sporting, SAD, normalmente, procura resolver o assunto, mas sem entrar
em loucuras.
Francisco João Range Prates
– Se tivermos dois jovens praticantes de futebol com, por exemplo 14
anos, um com puberdade tardia, mas com talento evidente e outro com
puberdade precoce, mas com talento apenas razoável, a qual o treinador
dará preferência quando tiver de optar por um deles?
– Esta pergunta é pertinente e lógica e é um assunto que já foi
discutido várias vezes por nós, em tempo certo. Não temos dúvidas de
que, nesse caso, vamos escolher quem está mais atrasado, embora nos
revele um futuro mais promissor. Só temos de ter paciência e também
aconselhar e amparar o jovem nesse processo mais complicado da sua
formação, dado que naquele momento o seu rendimento pode ser menor e
poderá ser menos utilizado, o que, em muitos casos, não é muito
compreendido, às vezes até pelos próprios pais.
Fernando Alvega
47 anos
Lisboa
– Que significado tem para si pertencer aos quadros do Sporting Clube de Portugal?
– Um significado muito especial porque foi neste Clube que me ensinaram
valores que sigo e que, para mim, são fundamentais. Esta cultura que o
Sporting tem e que sempre me apaixonou e que a bebi com 14 anos, foi
importante para que eu, ao longo destes anos de trabalho com jovens, a
pudesse transmitir com a maior seriedade.
Carlos Silva
61 anos
Membro da Direcção do Núcleo Sportinguista da Caixa Geral de Depósitos
Queluz/Lisboa
Sócio n.º 5358
– Depois de observado e escolhido o jovem atleta (futuro
futebolista), o que é que impressionará mais o Aurélio Pereira ao longo
dos primeiros anos de carreira deste jovem: a sua habilidade nata para
a modalidade ou o seu comportamento educacional e cívico?
– Uma coisa está aliada à outra e nós não descansamos para juntar as
duas. Também somos educadores. Acima de tudo, quero dizer que a nossa
estrutura está preparada para que, em conjunto com os pais, possamos
encontrar a melhor solução para a sua formação global.
José Carlos
46 anos
Alverca
Sócio n.º 20 011
– A formação é cara e tem vindo a encarecer por ser cada vez mais
competitiva. Que comentário ou leitura lhe merece esta observação?
– A formação não é cara, desde que ela seja considerada não como uma
despesa, mas, sim, um investimento. Se efectivamente o investimento é
bem feito, com rigor, transparência, com cabeça, então teremos o
objectivo conseguido.
Ricardo Silva
23 anos
Castelo Branco
– Podemos observar, desde cedo, muitas crianças a jogar futebol, mas
a partir de que idade (se é que este é um factor importante) podemos
dizer que uma determinada criança tem potencial, tem um futuro enquanto
profissional de futebol?
– A primeira qualidade que encontramos na detecção de um jogador para o
Sporting é, sem dúvida alguma, a sua relação com a bola, a sua
habilidade natural. À medida que ele vai crescendo e vai desenvolvendo
todas as suas capacidades, num programa de avaliação gradual,
poderemos, por volta dos 17 anos, perceber melhor se realmente esse
atleta tem capacidade para integrar o futebol profissional.
João Coutinho
– Por que razão a famosa escola do Sporting praticamente só produz extremos de grande qualidade?
– Não me parece que seja assim. Afinal, actualmente, temos um
guarda-redes titular que veio das escolas do Sporting, temos um central
que tem sido titular e também foi formado no Clube, enfim, não me
revejo nessa observação. Aliás, se verificarmos nos escalões de
formação da selecção nacional, vamos encontrar cada vez mais jogadores
que ocupam várias posições. Evidentemente que esta é uma pergunta que
tem cabimento e a que nós estamos atentos, mas também devo dizer que os
jogadores que cita (Futre, Figo, Quaresma, Simão, Cristiano Ronaldo,
Nani) são normalmente jogadores que jogam no último terço do campo, são
jogadores explosivos, de uma capacidade de improvisação muito forte e
que, de alguma maneira, na sua formação, muitas vezes não jogaram como
extremos. Só que, quando chegam aos seniores, acabam por ser mais
aproveitados nessa vertente porque resolvem, apaixonam o público, têm
magia e, por isso, também são muito mais fáceis de lançar numa equipa
profissional.
Paulo Ribeiro
– Não acha que estar a procurar e referenciar jovens em idades tão
precoces apenas contribui para o envaidecimento das famílias, e em nada
contribui para o desenvolvimento da personalidade dos jovens, este,
sim, um factor determinante no seu comportamento futuro?
– A nossa estratégia passa por detectar cedo, ou seja, achamos que
o facto de um atleta estar mais tempo ligado à nossa formação terá mais
probabilidades de chegar ao sucesso. Acontece que o futebol, nos
primeiros anos de idade, pode ser aproveitado de uma forma pedagógica
para o incentivar na prática desportiva e nas outras vertentes. E é
lógico que o facto de uma criança jogar no Sporting não pode, nem deve
afectar qualquer tipo de envaidecimento. Logicamente que se esse
envaidecimento for despropositado e mal acompanhado pelos pais, aí,
sim, é preocupante. Mas, cada caso é um caso e nós estaremos cá para
ajudar, porque somos um verdadeiro Clube formador.
Nuno José Machado
Sócio n.º 83 430
Cascais
– Considera que o Sporting está devidamente seguro contratualmente a
fim de evitar «roubos» de jogadores da nossa formação, tal como
aconteceu em tempos com os jovens que foram para o Chelsea?
– O Sporting está organizado nessa matéria. De qualquer maneira,
estamos sempre sujeitos a que outros grandes clubes da Europa se possam
interessar pelos nossos jogadores. Aliás, sentimos que, em todos os
jogos, os nossos atletas são observados por emissários de grandes
instituições, o que só nos valoriza. É bom que se diga que, neste
momento, já existe um respeito muito grande pela nossa escola e pelo
nosso Clube e não temos notado que, ultimamente, esse assédio seja
feito de forma menos correcta. Os próprios jogadores hoje sabem que
estão num dos melhores clubes de formação do Mundo e, por isso, já não
se sentem muito motivados para sair. No caso dos três jogadores que
cita e que foram, de uma forma muito pouco ética, abordados pelo
Chelsea, nós, estrutura da formação, demos o mesmo conselho aos três.
Dois não aceitaram e já regressaram a Portugal e, infelizmente,
desvalorizados. O Adrien Silva aceitou o nosso conselho e hoje está na
equipa principal do Sporting. Isto diz tudo.
Rui Murta
Professor/coordenador TIC
Agrupamento de Escolas da Sé, Faro
– Será possível, dentro de 4 a 5 anos, ter um plantel com mais de 50
por cento de jogadores formados na Academia? É esse o caminho que está
a ser seguido?
– A vontade é sempre a de ter o maior número possível de jogadores
da formação na equipa principal, por isso é que o Sporting investiu na
Academia. Claro que não é muito fácil, com as responsabilidades
competitivas que o Sporting tem, ter uma equipa completamente composta
à base de jogadores da formação, sem ter pelo meio jogadores
experientes e que os façam crescer. Mas, logicamente que temos sempre a
secreta esperança de que subam jogadores da formação à equipa
principal, e, acima de tudo, de os poder manter o maior número de anos
no Clube. Nós sentimos que os talentos são muito difíceis, por razões
várias, de segurar, mas os bons jogadores que nós transformamos em
grandes jogadores, fazem-nos pensar que, no futuro, possam ficar mais
tempo no Clube.
João Manuel Rodrigues Claro
Idade: 38 anos
Sócio n.º 26 811
Aveiro
– Que conselhos tem para pais e para os jovens atletas, antes de se
decidirem por integrar um projecto como futebolistas numa Academia de
futebol?
– Os conselhos, na minha óptica, são: em primeiro lugar, numa primeira
fase da sua vida de atleta, quando eles estão nos escalões de sete e
oito anos, deixar que os jovens pratiquem futebol à vontade, sem
grandes preocupações, sem grandes pressões, deixar que eles consigam
estabilizar todo o gosto e prazer pela modalidade. E, se ele crescer
nestes primeiros anos, sem esse tipo de pressões, que, infelizmente, os
próprios pais e até treinadores influenciam de uma forma negativa, esse
atleta, quando chegar aos 12, 13 anos, provavelmente pode ter mais
vantagens quando entrar numa Academia, porque aí o processo de formação
contínuo é mais fácil de gerir. O que é importante é que os pais se
preocupem com a sua formação escolar e educativa, deixando para o Clube
a formação desportiva. Quando assim é, o sucesso é mais fácil.
Filipa Carvalho
– Há, neste momento, algum jovem com capacidades técnicas, tácticas
e psicológicas para integrar o plantel da equipa principal na época que
se avizinha?
– Sim, há jogadores com essas capacidades, mas a integração no
futebol profissional tem um conjunto de pressupostos que têm de ser
ponderados. Temos sempre de pensar que, na maioria dos casos, o jogador
quando acaba o último ano de júnior, que é como se acabasse o 12.º ano
de escolaridade e entra no primeiro ano da faculdade, futebol
profissional, deverá compreender que, na sua escalada para uma carreira
difícil, tem de saber que a sorte dá muito trabalho. Se pensar assim,
com disciplina, entrega e profissionalismo e acreditar que o Clube pode
orientar a sua carreira de uma forma sustentada, mais tarde ou mais
cedo, poderá ter sucesso.
Alexandre Dias
36 anos
Carnaxide
– Dos seus longos anos de trabalho junto dos jovens portugueses que
sonham com a glória do futebol, qual é a memória que guarda do
contributo longínquo do professor Rodrigues Dias?
– Vem-me à memória um homem com quem tive o privilégio de privar,
uma figura fantástica. Embora se fale muito pouco deste grande homem,
devo dizer que foi treinador da equipa principal do Sporting, foi
treinador de juniores e lembro-me, com saudade, das horas a fio que
falava do Clube e da formação de jogadores. Acima de tudo, foi, para
mim, uma grande honra trabalhar com um homem deste carácter.
Carlos Oliveira Pinto
Sócio 5759
– A par do desenvolvimento físico, técnico e até escolar
proporcionado pela Academia, está também a ser ministrada a necessária
preparação psicológica para as futuras «estrelas» enfrentarem os
aspectos da mudança que acontecem cada vez mais cedo nas suas vidas?
– Claro que isso é um tema que nos preocupa e, nessa vertente, na
Academia Sporting, aquilo que às estruturas de apoio dizem respeito,
como o Gabinete Psico-Pedagógico e todo o envolvimento da estrutura
técnica e do director da Academia, tudo é discutido nessa matéria.
Sentimos que, na passagem para o futebol profissional, este sente,
muitas vezes, grandes dificuldades em controlar um conjunto de
influências exteriores perniciosas a que estes jovens estão sujeitos
numa altura de maior evidência pessoal. Muitas vezes, até pelo facto de
um técnico ser exigente com os aspectos disciplinares, tal possa
merecer reparos de muitos opinadores, com o que, pessoalmente, não
estou de acordo. Nem sempre se pode ser contemplativo quando um jovem
mal aconselhado não se adapta às regras de grupo implementadas no Clube.
Carlos Silva
Porto
– Conheceu várias realidades, várias equipas directivas e várias
lideranças no futebol do Sporting. O que pensa da actual organização do
futebol de formação, comparando-a com as outras realidades que conheceu?
– Essa pergunta é importante para podermos clarificar dois
contextos completamente diferentes. Só quem trabalhou no futebol
juvenil, no passado, pode valorizar o que é hoje ter uma Academia da
nossa dimensão. Nessa altura e, num contexto que era usual, o futebol
juvenil funcionava normalmente de uma forma semiamadora, a partir das
18 horas, o que quer dizer que quer dirigentes, quer treinadores,
funcionavam no futebol juvenil depois de já terem desenvolvido, nas
suas empresas, o normal horário de trabalho. Foram tempos difíceis, de
muito voluntariado, de muita gente que, durante muitos anos, deu o seu
contributo com condições pouco consentâneas com a grandeza do Clube. De
qualquer maneira, essa entrega de tanta gente terá de ser devidamente
reconhecida. Aproveito para, em jeito de homenagem a todas essas
pessoas, e numa prova de sentimento profundo relativamente à partida de
um grande dirigente desse tempo, relembrar Manuel Petronilho, figura de
antes quebrar que torcer, em que sempre me revi.
Mas, aquilo que verdadeiramente condicionava o nosso trabalho era,
efectivamente, a falta de infra-estruturas (campos para treinar) em
comparação com os nossos rivais. Dei conta, muitas vezes, de quanto os
nossos dirigentes se queixavam da falta de apoios governamentais, em
comparação com outros emblemas. Mas, as suas reivindicações não tinham
sucesso. Recordo com alguma nostalgia o facto de, no meu último ano de
treinador, trabalhar com 50 jogadores (juvenis), sozinho, em meio campo
e, no outro meio campo, ter o Carlos Pereira com mais 50 iniciados. Por
acaso, até fomos campeões nacionais os dois, em finais com o FC Porto.
Mas não era por isso que eu poderia dizer que se tinha feito um grande
trabalho. Tínhamos, sim, jogadores de grande qualidade e que faziam a
diferença.
Mais tarde, todos os treinadores eram obrigados a treinar em campos
fora do Estádio José Alvalade, de acordo com protocolos que
estabelecemos com clubes vizinhos e que nos deram uma boa ajuda. Mas, o
facto de andarmos com a «casa às costas», não nos favorecia
absolutamente nada.
Evidentemente que se muita coisa não se pôde fazer, por razões citadas,
há uma coisa que ninguém pode por em causa: trouxemos para o Clube
jogadores de grande nível, que se notabilizaram quer em Portugal, quer
no estrangeiro e que, provavelmente, foram eles os culpados de que
alguém pensasse num outro contexto, mais profissional, com condições de
infra-estruturas de acordo com um processo de formação global
modernizado. O jogador é a matéria-prima e o elo principal da cadeia
futebolística. Surge então o projecto Roquette, ambicioso, que apontava
para uma nova era relativamente à realidade dos clubes. É construída a
Academia, debaixo da gestão do dr. Dias da Cunha, seguida pelo dr.
Filipe Soares Franco, numa política virada fundamentalmente para a
formação. Este projecto, inovador em Portugal, requeria da parte do
Sporting uma mudança completa naquilo que ao futebol juvenil dizia
respeito. Não era pelo facto de termos uma Academia, uma
infra-estrutura desta envergadura, que o futebol de formação poderia
evoluir se continuássemos a trabalhar a partir das 18 horas. Tudo teria
de ser diferente. E é aqui que, pelo facto de termos duas pessoas que
geriam, ao mais alto nível, o futebol SAD, que tudo se inicia. Eles não
vão levar a mal que os cite, o dr. Miguel Ribeiro Telles e o dr. José
Eduardo Bettencourt, mas foram eles um factor decisivo na construção de
um modelo organizacional aliado a uma estrutura orgânica que fizesse
nascer uma Academia de sucesso. Foi isso que aconteceu. Foi feito um
documento que considero histórico e que ainda hoje é a «Bíblia»
orientadora, baseado numa experiência de gestão empresarial destes dois
dirigentes que, aqui e ali, com alguns retoques, foi o motor de
arranque fundamental. Havia várias questões em cima da mesa. O que
fazer? Como fazer? Com quem fazer? Esses dois grandes dirigentes
traçaram e escolheram o director da Academia, o homem da Direcção de
futebol e o coordenador técnico, elementos que se podem considerar
chave para este processo, nas pessoas do prof. Pedro Mil-Homens, José
Manuel Torcato e Jean-Paul, respectivamente. Nos valores que defendo,
revejo-me sempre em pessoas competentes, sérias e transparentes. E é
disso que estamos a falar. No que ao Departamento de Recrutamento, que
é a minha área, diz respeito, foi-me feito o convite para que pudesse,
de uma forma profissional, ingressar neste projecto. Foi um momento
difícil da minha vida, pois estava numa empresa de que muito gostava,
mas não tinha outra alternativa: ou abraçava este projecto, ou não
podia continuar no Clube. E disso eu fazia questão. Não poderia sair às
seis da tarde e ir para Alcochete para estar lá, apenas, duas horas e
marcar presença. Este projecto merecia muito mais do que isso. Confiei
muito nas pessoas e não estou nada arrependido porque faço aquilo de
que gosto, com paixão e no Clube certo. Em jeito de balanço, hoje o
Sporting tem uma Academia moderna, organizada, onde tudo se discute
porque as mudanças no Mundo são a uma velocidade incrível, numa
estrutura altamente solidária e com uma linha directa para a
administração através do próprio director.
Visando a permanente vontade de modernizar, o Conselho de Administração
da Sporting, SAD decidiu candidatar a Academia Sporting à Certificação
de Qualidade ISO 9001, como modelo de excelência. Esta candidatura
obrigou todos os elementos desta SAD a uma auto-avaliação, para que
todos possam melhorar os seus desempenhos. Portanto, considero que isto
é extremamente importante. É mais um passo gigante naquilo que o
Sporting pensa relativamente à visão. E dentro da visão/missão que a
Academia tem como objectivo, ela traduz o seguinte: produzir jogadores
para o mais alto nível competitivo, capazes de integrar a equipa
profissional do Sporting, promovendo uma sólida formação baseada em
valores desportivos, sociais e pessoais. Esta é a nossa missão para a
Academia do Sporting, num futuro próximo.
Apetece-me terminar, parafraseando o nosso director, professor Pedro
Mil-Homens que diz: "Todos os dias devemos fazer os possíveis para
merecer esta Academia".
Rafael Marcelino
Sócio n.º 64 862
– Gostaria de saber o que foi feito de um jovem que tanto foi
noticiado nos «media», de origem romena, e que foi contratado como um
futuro craque?
– O jovem a que se refere chama-se Cristian Ponde, está na Academia
há já duas épocas. Antecipámos a sua vinda um ano e, neste momento, não
só é um jogador que está a evoluir de uma forma extraordinária, como
também é considerado, pelo Gabinete Psico-Pedagógico, um possível
residente do Quadro de Honra. É um aluno que está no 8.º ano de
escolaridade, é dos melhores alunos da escola (média de 4 e 5), de
grande responsabilidade. Aquilo que mais pesou na sua vontade de
ingressar no Sporting, apesar dos convites do Benfica, Chelsea e FC
Porto, foi ser um sportinguista convicto. Ele joga nos iniciados de
primeiro ano e é um dos melhores marcadores da equipa.
Mafalda Pereira
Odivelas
– Gostaria de colocar uma pergunta ao meu pai, por quem tenho um
comovente e imenso orgulho: tu que conheces o nosso Sporting como
poucos! Que dedicaste e continuas a dedicar toda a tua vocação, paixão
e entrega ao serviço deste grande Clube, qual achas que é o caminho
certo para o teu Sporting?
– É uma grande surpresa, mas é também um prazer enorme responder a
uma pergunta feita pela minha filha Mafalda, convicta sportinguista. O
caminho certo para o Sporting, acho que tem a ver com a continuação de
um projecto credível que consiga dar ao Clube a manutenção dos valores
que definiu desde a sua fundação – Esforço, Dedicação, Devoção e
Glória, que é nisso que todos nos devemos rever. É para todos nós,
sportinguistas, um orgulho a forma como o Clube se posiciona no futebol
e na sociedade, que tanta necessidade tem de melhorar os conceitos de
vida e procedimentos éticos. Gostava de apelar a todos os sócios para
que se mantenham unidos e não se deixem influenciar por factores
externos que, muitas vezes, só servem para nos dividir. Considero
extremamente importante que os nossos sócios queiram sempre ser
convocados para cada jogo e isso quer dizer que, sem eles, as vitórias
são mais difíceis. Se os sócios tivessem a noção daquilo que um jogador
sente quando é apoiado, estariam 90 minutos ininterruptamente a apoiar
a equipa. É só lembrar que jogos, que todos pensavam perdidos, foram os
sócios, com o seu incentivo, que fizeram os jogadores mudar de opinião,
ultrapassando assim um adversário que se tinha mostrado superior até
então.
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