Hélder Postiga: «Aprendi a ouvir» - AVANÇADO LEONINO EM ENTREVISTA EXCLUSIVA |
Sábado, 13 Setembro 2008 22:00 | |||||
RECORD – Quer explicar-nos como aconteceu a transferência para o Sporting? R – Esse namoro antigo de que falou data de quando? HP – Aconteceu há uns dois anos. Lembro-me que se falou na troca de jogadores, mas o FC Porto nunca equacionou negociar. R – Este ano chegou a alvitrar-se a hipótese de Vukcevic entrar no negócio… HP – O que me interessava é que o Sporting resolvesse a questão e tivesse vantagem na contratação. Os contornos do negócio pouco me preocuparam. Sei que existia também o interesse do Panathinaikos e eu nunca – não faz parte do meu feitio – pressionei ninguém para sair ou vender. Deixei andar. Se o FC Porto decidiu negociar, foi porque não estava interessado na minha continuidade. R – Quando estava com a Selecção em Óbidos já sabia que podia assinar? HP – Sabia que as negociações com o Sporting não iam ser fáceis e nessa altura jogou-se a final da Taça entre os dois clubes. Nunca seria fácil nessa fase, mas o FC Porto não complicou muito as coisas. Foi bom. R – Qual é a sensação de ter vindo para um dos maiores rivais do FC Porto? HP – No início é um pouco estranho. Nunca me imaginei num clube rival, mas aos poucos as coisas vão-se ultrapassando. Está tudo a correr bem, as pessoas tratam-me bem e isso faz com que goste cada vez mais do Sporting. R – Derlei disse que iria encontrar um balneário e um estilo de trabalho distintos daqueles que tinha no FC Porto. São diferentes em quê? HP – São questões tão internas e específicas que é difícil explicar. Só vivendo por dentro. Os próprios directores fazem com que a mentalidade seja mais fechada ou mais aberta. Mas a mentalidade de vencer é a mesma. R – As diferenças podem estar nas cidades, nos adeptos, em todo o envolvimento? HP – Sim. Lisboa tem dois grandes clubes. No Porto, neste momento, há um e a cidade é do FC Porto. Do Boavista são cada vez menos, porque o clube está numa situação difícil. R – Este contrato dá-lhe a tranquilidade necessária para relançar a carreira? HP – Era disso que eu estava à procura. Não queria ser novamente emprestado. Já quando fui para a Grécia, tratou-se de uma situação de recurso. Ninguém gosta de andar a saltar de um sítio para o outro. Este contrato veio no momento certo para ter estabilidade não só a nível profissional como a nível emocional e familiar. R – Voltou a sentir-se desejado? HP – Também. É essencial para um jogador sentir-se bem e trabalhar com mais vontade. R – Octávio, o treinador que o lançou, diz que você sentindo confiança mantém níveis altos e grande estabilidade. Foi essa confiança que veio encontrar? HP – Sinto-me confiante. Há é momentos em que me retiram a confiança. Com isso é que não é fácil conviver. R – Quem lhe retirou confiança? HP – Algumas pessoas. Não digo que não me deixaram crescer, mas não me deram apoio quando mais precisava. Um desses momentos aconteceu na primeira época de Jesualdo Ferreira no FC Porto. A equipa estava a jogar bem e em 1.º lugar e de um momento para o outro fui preterido. Não se pode fazer uma análise por 2 ou 3 jogos e quando pensava que podia melhorar deixei de jogar. R – Está magoado com Jesualdo Ferreira? HP – Não sei se foi o Jesualdo a estar por detrás disso, mas é estranho que aconteça ao melhor marcador do campeonato. Caí de repente no esquecimento por não ter feito golos em 3 jogos seguidos. R – Mourinho foi um dos que lhe retiraram confiança? HP – Não. Se calhar até me deu confiança. Ajudou-me. Quando um jogador é jovem e tem uma ascensão rápida, sente-se perfeito. Eu pensava que não tinha erros. Não ouvia as pessoas e não corrigia determinados aspectos. Hoje tenho de ser sincero e reconhecer que errei, mas estou mais maduro. Ouço conselhos e sou mais ponderado nas decisões. Com a idade, aprendi a crescer e a ouvir R – Quer dizer que esse problema está ultrapassado? HP – Aprende-se com as experiências e essa com o Mourinho foi uma delas. Por outro lado, as pessoas não vivem sempre com o mesmo rótulo. O Hélder com 18 anos não é o mesmo aos 26. Tinha a fama de ser arrogante e vaidoso, mas as pessoas mudam. Hoje sou muito mais calmo. Sou pai e isso ajuda-me a ser mais ponderado nas decisões. Estou diferente. R – Sente que já não tem a imagem do “menino mimado” e do “bom rebelde”? HP – Esses foram os rótulos que tive todos estes anos. É complicado mudar uma imagem quando ela está instalada, mas as pessoas tentam melhorar e não podem viver sempre com o mesmo rótulo. R – Está diferente como jogador, mais solidário com o colectivo? HP – Quando se joga a alto nível, vai-se aprendendo e tentando guardar os aspectos positivos. Ser solidário é uma forma de estar bem integrado num grupo. R – Como ponta-de-lança, qual a meta em termos de golos esta época? HP – Um avançado vive de golos e quantos mais conseguir, melhor para si e para a equipa, mas o principal objectivo este ano é ver o Sporting campeão. R – Ainda assim, precisou de poucos minutos para marcar... HP – É bom para quem está a começar e precisa de confiança. Senti uma satisfação enorme. R – A vontade de se fixar no onze é grande? HP – Comecei mais tarde e havia uma estrutura definida do ano anterior. Não é fácil entrar no núcleo duro. Cabe-me ganhar espaço com calma. Fui submetido a uma operação. Tenho de pensar no trabalho passo a passo. R – Partiu em desvantagem? HP – Não me vou defender com esse argumento. Comecei com limitações, mas sei até onde posso ir. R – Falando do ataque, sem Liedson, está a entender-se melhor com quem? HP – Nem sempre temos a percepção lá dentro. Mas é normal que conheça um pouco mais do Derlei e saiba melhor o que pode sair dali. R – A concorrência está a ser maior do que esperava? HP – Não. O Sporting tem um plantel de 25 jogadores, quase todos internacionais ou de muita qualidade, o que ajuda o grupo e dificulta a tarefa do treinador. Agora vamos entrar num ciclo em que jogaremos domingo-quarta, com castigos e lesões, e haverá espaço para todos. O importante é estar ao melhor nível quando for chamado á competição. R – Já estava à espera que Yannick explodisse? HP – Não é surpresa. Nem ele nem outros. O único do plantel que não conhecia e surpreendeu-me pela positiva foi o Carriço. Dentro de poucos anos será dos melhores centrais do futebol português. O miúdo é bom. R – Têm boa relação? HP – Ele jogou no Chipre e diz algumas palavras em grego. É natural que às vezes possa estar na palhaçada com ele [risos]. R – Nos treinos, é descontraído e percebe-se que gosta de trocar “galhardetes” com os companheiros de equipa, como Tonel. Já se sente em casa? HP – Faz parte da minha maneira de ser. Gosto de deixar as pessoas à-vontade. É saudável. Fui criado assim. Depois, há jogadores com quem temos mais confiança para “pegar”. Como já conhecia o Tonel, porque joguei com ele quando éramos miúdos, tenho mais confiança com ele. R – Com quem partilha quarto nos estágios? HP – Varia. Na Academia é com o Caneira. R – Paulinho já é um aliado e amigo. Ele é peça importante no grupo? HP – Sim, pelo ambiente e pela alegria que traz para dentro do balneário. Às vezes é importante, porque não acordamos bem dispostos todos os dias. «Sou leão» R – O golo de Braga foi especial e dedicou-o ao seu pai. Porquê? HP – Tinha-lhe dito que ia marcar um golo para lhe oferecer no dia de aniversário. Os meus pais têm sido muito importantes e sou muito próximo deles. Foi uma forma de agradecer os bons e maus momentos que têm passado comigo. R – Há sportinguistas lá em casa? HP – Tenho um irmão que é um troca-tintas. Ele cresceu e eu pertencia às camadas jovens do FC Porto. Agora que estou no Sporting, já é sportinguista. R – É verdade que você era benfiquista em pequeno? HP – Numa família de benfiquistas, é normal que tenha seguido os passos. Depois, fui muito novo para o FC Porto e aprendi a gostar do FC Porto. Mas o meu clube de sempre é o Varzim, é o único de que sou sócio. Neste momento, sou do Sporting e do Varzim. Gosto mais do Sporting a cada dia que passa. R – Já se sente sportinguista? HP – Sou leão. E sou de signo Leão. R – Que opinião tem de Filipe Soares Franco, Miguel Ribeiro Teles e Pedro Barbosa? HP – Soares Franco está sempre presente, nos bons e nos maus momentos, e considero isso importante. Não se deve aparecer só ou quando a equipa está mal ou quando está bem. O mesmo acontece com Ribeiro Teles e Pedro Barbosa. Também estão sempre presentes e têm uma ligação muito forte ao balneário e aos jogadores. R – Em Braga, comemorou o golo com Pedro Barbosa… HP – É uma pessoa de quem eu me sinto próximo. Tenho uma relação próxima com ele. Foi importante na minha vinda para o Sporting. Foi o primeiro a falar comigo sobre essa hipótese. R – Depois de 2 meses e meio de trabalho com Paulo Bento, que impressão tem do treinador? HP – É uma pessoa muito directa, que tem os seus métodos de trabalho e é muito frontal naquilo que pensa e quer. E isso é uma base para se ter sucesso. Ele fez questão de estar na minha apresentação. A atitude, não só dele como de outros, foi importante. Senti que fizeram um esforço porque queriam estar presentes. E quando se chega a um clube é importante conhecer as pessoas e sentirmo-nos integrados. R – Como acompanhou o caso espoletado pelo facto de João Moutinho ter dito que pretendia abandonar o Sporting? HP – Se ele afirmou isso, se era o que ele pensava no momento, depois também já disse o contrário, ou seja, que está de alma e coração no Sporting. Devemos pedir responsabilidade ao jogador, mas ao mesmo tempo pensar nele. Foi um acto que não aconteceu no timing certo, mas já está tudo sanado. R – Caneira disse que esse episódio abalou o balneário. Também sentiu isso? HP – Quando surgem situações dessas, é normal que sejam comentadas. Nem que se ouça falar baixinho, acaba-se por pensar: “De certeza que está a falar daquilo”. Percebe-se sempre um burburinho. No futebol, é normal sentirem-se … vibrações [risos]. R – Acha que era possível um capitão do FC Porto ter a mesma atitude? HP – Não quero responder a essa pergunta. R – Quem geriu melhor as situações: o Sporting, com Moutinho, ou o FC Porto, com Quaresma? HP – Geriu melhor o Sporting, porque ficou com Moutinho. R – Detendo-nos no Sporting, como classifica o balneário e o ambiente no grupo? HP – Tem sido fantástico. O balneário quando se ganha é sempre fantástico [risos]. Mas é essa a minha impressão. Há uma mescla de jogadores mais experientes com jovens formados na Academia. O segredo de um grupo é encontrar jogadores que tenham o mesmo objectivo e remem para o mesmo sítio. No Sporting, o que encontro é isso. As pessoas querem todas o mesmo objectivo, querem ter sucesso, querem que o Sporting seja campeão. É dos melhores da minha carreira. Na época da vitória na Taça UEFA, no FC Porto, também tínhamos um balneário fantástico. O que vim encontrar aqui faz-me lembrar um pouco do espírito que vivíamos no FC Porto. R – Pela negativa, o jogo de Madrid foi o primeiro grande teste ao balneário? HP – É uma lição para todos. Para quem jogou e para quem não jogou. Estávamos galvanizados e quando as coisas correm bem é normal que se encha um pouco mais o peito. Mas isso fez-nos cair na realidade e pensar que se calhar não somos tão bons e também cometemos erros. Estas derrotas ajudam-nos a crescer. Até podemos pensar que estamos bem e que vai ser difícil ganhar-nos, mas se não entrarmos com seriedade, se não tivermos vontade de vencer, é natural que haja mais desaires desses. R – Madrid pretendia antecipar os ciclos de 2 jogos por semana e o primeiro começa em Barcelona; na Liga, seguem-se Belenenses, Benfica e FC Porto. A equipa está preparada? HP – É um ciclo difícil mas bom. Complicado porque vai colocar-nos à prova e exigir do grupo uma mentalidade forte. Bom porque, sem tirar valor aos restantes, os jogos da Champions e os dérbis são aqueles em que todos gostam de participar. R – Estes jogos com o Barcelona e o Benfica podem ser decisivos no sentido de embalar a equipa para uma época muito boa? HP – Não se pode resumir uma época de 50 jogos a 2. Não se pode fazer esse tipo de juízos ou avaliações em Setembro. Eu acredito que os adversários partilhem do pensamento que o Sporting está forte, porque têmo-lo demonstrado em campo. Não é só de boca, como dizem alguns; estamos fortes. Mas não vamos resolver a época em 2 jogos. R – Deixou perceber que o Sporting, por ter conquistado a Supertaça, era o mais forte candidato ao título. É assim? HP – Não é o mais forte. Os candidatos são três. O que me perguntaram foi se o Sporting era um sério candidato. Ora, se o campeão foi o FC Porto e se nós ganhámos ao campeão na Supertaça, parece-me que temos um pouco mais de percentagem… R – Pela sua experiência, o que é preciso para se ser campeão? HP – Como disse, é importante ter bom balneário. Não é fácil ter um grupo de 20 e tal jogadores, onde há 11 felizes, 7 mais ou menos e o resto está com azia. É complicado. Saber gerir um grupo não é assim tão fácil e isso faz com que um dos ingredientes para o título seja esse. Depois, há que ganhar jogos e ter estabilidade durante o campeonato. R – Qual é o adversário que mais teme, Benfica ou FC Porto? HP – Por vezes somos nós próprios o nosso pior adversário, porque temos de lutar contra as nossas adversidades. Estão os dois muito fortes, mas quando menos esperamos o perigo está lá e perdemos pontos contra quem não imaginávamos.
Hélder Postiga: «Selecção está em segundo plano»
In www.record.pt
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