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Sexta, 19 Abril 2024
Cadete: «O Bobby Robson deixava-nos fumar um cigarrinho depois de almoço» PDF Versão para impressão Enviar por E-mail
Sábado, 11 Dezembro 2010 10:51

101211_cadeteO antigo capitão do Sporting, aquele que saiu de Alvalade em ruptura com Carlos Queiroz, ficou marcado por um certo senhor inglês. Aliás, Cadete trata todos por "senhor"

 

Hora de almoço, encontro no Estádio Nacional. Cadete aparece em grande forma. "Já não jogo à bola, não faço nada de especial mas não tenho tendência para engordar; não gosto é de comer muito, não sou daqueles de ficar três horas à mesa a comer um cozido à portuguesa." Ups... Na quinta-feira, o restaurante para onde marcámos esta entrevista tinha cozido à portuguesa como prato único! Não há problema, em vez dos enchidos e das couves, há a conversa, entre cigarros, alguns cigarros. Sem segredos. É tudo às claras.



Este sábado há um Setúbal-Sporting, para a Taça. E o Cadete do Sporting, do Celtic, do Benfica... também jogou um ano em Setúbal.

Foi no meu segundo ano de sénior. Estava na pré-temporada no Sporting, houve um treino de conjunto em que fiquei de fora, depois decidi que não treinava mais. Andei oito dias assim, chegava lá e dizia que não treinava, queria sair para jogar. "Quero jogar!" Havia a hipótese do Académico de Viseu e do Portimonense mas, entretanto, através do Aurélio Pereira, houve o contacto para Setúbal. E lá fui... Tem a sua graça porque o treinador e o presidente são os mesmos de hoje, Manuel Fernandes e Fernando Oliveira. O Sporting só queria emprestar-me um ano, mas eles queriam dois. Sentei-me à mesa com o presidente do Sporting, Jorge Gonçalves, perguntei-lhe o que era preciso para me emprestar e ele disse que tinha de renovar contrato. Assinei em branco sem falar em verbas.

Manuel Fernandes ensinou-te muito?

Tinha sido colega do Manuel quando era júnior e treinava com os seniores do Sporting... mas então era o sr. Manuel Fernandes, o sr. Jordão, o sr. Vítor Damas...

Tinhas de tratá-los por "senhor"?

Foi o que me ensinaram os meus pais. Chegava lá e tratava-os assim, um a um. Hoje um miúdo vem dos juniores e nem diz ''bom dia'' à entrada do balneário.

O miúdo Cadete vinha de onde?

Nasci em Moçambique, em 76 vim para Portugal com a minha mãe, para uma aldeia perto de Santarém. Joguei em várias equipas, até um dia ir ao Sporting fazer um treino. O sr. Aurélio Pereira disse-me logo para assinar. Não percebi aquilo, no dia seguinte treinei novamente e fui para casa. Depois, no Académico de Santarém, marquei 43 golos em 18 jogos. Em 1984 assinei finalmente pelo Sporting.

Mas o teu pai queria-te no Benfica.

Ele era benfiquista. O Fernando Caiado, do Benfica, foi-me ver jogar ao Académico mas como estava a chover nem sequer saiu do carro para me cumprimentar. Abriu o vidro e disse para aparecer a treinar no Benfica. E eu... o Sporting tinha--me tratado de outra forma.

Já eras sportinguista?

Era portista, porque na vila moçambicana onde nasci, Porto Amélia [hoje Pemba], o clube local equipava como o FC Porto. Na altura o meu desporto era o hóquei, jogava hóquei em campo na rua, com uns sticks feitos dos ferros das obras. Ouvia os relatos todos do hóquei. Quando cheguei a Portugal o meu ídolo era o Fernando Gomes, mas ao final de um ano no Sporting comecei a ver aquilo tudo, ia aos jogos das modalidades todas, vivia 24 horas no centro de estágio e naturalmente fiquei sportinguista.

Como foi o salto?

A equipa principal precisava de um defesa direito e lá fui eu. Depois era preciso um defesa esquerdo e eu lá estava. Aí o John Toshack virou-se para mim e perguntou-me: "Afinal onde jogas?" Sei lá, só queria jogar. Num treino fiz um carrinho ao Jordão e ele virou-se para mim: "Miúdo, não voltas a fazer isso!" Na altura criei grande amizade com o Jaime Pacheco... e ele dizia-me: "Sócio, não tenhas medo que eu estou aqui para te defender."

Mas o Jordão não era calminho?

Sempre. E fechado para ele para próprio, muito sério e concentrado no trabalho. Depois encontrei-o em Setúbal, já um pouco diferente. Um miúdo como eu tinha muito respeito quando falava para uma figura daquelas.

Marcaste algum golo ao Damas?

Treinei e joguei com ele nas reservas, mas não, nunca marquei um golo ao Sr. Vítor Damas...

Já como capitão do Sporting voltaste a ter oportunidade de ir para o Benfica, na altura do "Verão quente".

Fizeram saber que gostavam de me ter no Benfica mas não aceitei. Uns tempos antes já tinha dito ao presidente Sousa Cintra que era homem de palavra. Numa ocasião, depois do regresso de uma digressão a Angola, renovei o contrato numa reunião de 45 minutos.

Em branco, outra vez? Já se ganhava bom dinheiro nessa altura?

Esse contrato não foi em branco. Se não fosse como sou talvez tivesse ganho mais dinheiro. Jogava por gosto e nunca me preocupei... Tanto que só a partir dos 27 anos é que tive um empresário. Quando cheguei a um ponto de ruptura no Sporting, em que era titular, capitão, melhor marcador, jogador de selecção, fui-me embora sem levar nada. Se fosse outro jogador ficava lá a treinar e ganhar o meu dinheirinho no final do mês.

Como é que chegaste à ruptura com o Carlos Queiroz?

Sei lá, talvez excesso de zelo de um treinador que chegou a um clube como o Sporting e, em termos de carreira, não tinha provas dadas; talvez receio da força que alguns jogadores tinham junto dos sócios. Sair acabou por ser um erro, é sempre um grande erro quando se trata de jogadores que sentem o clube e o colocam à frente de tudo - eu era operado nas férias e abdicava dos meus dias pelo Sporting.

Está visto que a polémica pós-Mundial com o Carlos Queiroz esteve longe de te surpreender.

Sim. Não entrando em detalhes e não pondo em causa o valor de Queiroz - tem capacidades, por exemplo, para ser uma pessoa decisiva na organização das competições, ou na Liga - os factos falam por si. Treinou selecções, o Real Madrid, o Sporting... e nada.

Se calhar o Queiroz não te deixava fumar um cigarrinho num estágio.

Nunca fumei muito, o meu primeiro cigarro foi aos 12 anos, depois voltei a fumar aos 19. Com o Robson, nos estágios do Sporting, ele deixava-nos fumar um cigarrinho a seguir ao almoço; ele sabia que assim era muito melhor do que fumar dois ou três seguidos, às escondidas... Os jogadores fumam, são pessoas normais, eu fumava o meu cigarrinho nessas alturas... mas acima de tudo o treinador tem de ser gestor de recursos humanos e não apenas perceber muito de táctica, técnica ou teoria.

Como é que Bobby Robson ganhava o balneário?

Robson é a minha referência. Dou um exemplo: um dia o Robson passa pela cabine e de repente manda-se para o chão agarrado a uma perna.

Atirou-se para o chão?

Atirou-se e depois dizia: "Capucho." Tudo porque o Capucho passava os treinos a mandar-se para o chão com um toquezinho qualquer. Uma vez, num jogo contra o Estrela, estávamos a ganhar 3-0, eu ainda não tinha marcado e ele tirou-me. Estava convencido de que ia marcar nos últimos minutos, ainda por cima estava a lutar pelo título de melhor marcador, mas mesmo assim saí. Nem o cumprimentei no banco, depois, estou no banho e ele aparece a sorrir. Viro-me de lado, vou para o autocarro - desde o tempo do Manuel Fernandes, o capitão sentava-se sempre no lugar da frente, à direita, na fila ao lado da do treinador - o Robson depois senta-se ao meu lado e passa o tempo a gozar comigo, a dar-me toques na perna. Desmanchei-me a rir. Se fosse com outro qualquer...

Qual foi o melhor jogador que tiveste ao lado? Balakov?

Foi um dos melhores. Quando o Balakov chegou ao Sporting ficámos todos muito assustados porque ele praticamente não conseguia controlar uma bola. Estava a treinar à experiência e tinha grande ansiedade em mostrar-se. Depois disso, começou a jogar e foi o que se viu.

Nessa fase, como foi possível o Sporting não ganhar nada de especial?

Pois... apenas uma Taça e uma Supertaça. Talvez por ter sido uma altura de transição... Tínhamos excelente grupo, média de idades de 24/25 anos, havia ali futuro para uns dez anos, um treinador inglês com currículo, mas não se soube aproveitar isso. Talvez por influências, maus conselheiros, interesses vindos de fora...

Até parece que estamos falar do Sporting de hoje.

Aprendi com os meus pais que devia sempre dizer a verdade: no passado, se estivesse a acontecer o que se passa hoje, de certeza que muita coisa já tinha mudado no Sporting.

Chegaste a falar com Bettencourt para discutir um regresso ao Sporting?

Desde Outubro de 2009 a Outubro de 2010, depois de ter falado com Bettencourt após um jogo com o Belenenses no Restelo, fiquei à espera de uma reunião que acabou por nunca acontecer. Sei por que razão não aconteceu, foi porque existe um preconceito em relação ao meu sportinguismo, em relação ao facto de ter jogado pelo Benfica, de ter marcado ao Sporting e de ter festejado. Mas eu sempre festejei os meus golos! Marquei contra o Setúbal, onde joguei, e festejei! Não festejar é que é uma falta de respeito pelos novos adeptos. Quando rescindi com o Sporting, a 17 de Novembro de 1995, depois do jogo pela selecção contra a Rep. da Irlanda [marcou o 3-0], acusaram-me de ir embora e deixar o Sporting sem avançados, mas esqueceram-se que os dois anos antes passei--os no banco e fui emprestado para o Brescia. Em 1995/96 fui o melhor marcador da pré-temporada e mesmo assim não entrava nos convocados... Foram quase dois anos em que quiseram mandar-me para o Estrela da Amadora, Guimarães, Farense, Marítimo, aí ninguém se preocupava comigo; mas depois, quando rescindi porque os responsáveis não me queriam no plantel, fui embora e ainda tive de indemnizar o Sporting.

Pagaste para sair?

Tivemos de chegar a acordo, fui para a Escócia ganhar metade do que ganhava em Portugal: 12 mil euros limpos por mês, a outra metade era o prémio de assinatura, que foi todo para o Sporting. Mais a receita de um jogo na Escócia, em que supostamente uma parte deveria sobrar para mim... e não sobrou nada.

Depois, antes do Benfica ainda se falou no regresso a Alvalade.

O Sporting foi avisado do interesse do Benfica, primeira, segunda vez... até dizerem que era bluff. Quarta, quinta... disseram que não me enquadrava nas necessidades do clube. Assinei pelo Benfica e sempre me preocupei em ser profissional, aliás, até os adeptos o reconheceram. Se calhar tudo isto me fecha um pouco as portas... Mas jogadores como o Pedro Venâncio, o Carlos Xavier, eu, o Oceano... somos três ou quatro que no FC Porto, no Benfica ou em qualquer grande clube da Europa seríamos aproveitados para ajudar o clube, fosse na formação ou nas relações externas.

O que achas da liderança do Costinha?

O Costinha é o responsável pelo futebol profissional, mas o clube não é só futebol profissional. Há a formação, os adeptos, os sócios, os núcleos. Se não forem valorizados - e com os resultados a ajudarem pouco - o clube entra em declínio. Bem ou mal, Costinha faz o seu papel, mas numa SAD quem manda é a administração. E a administração é que tem de manter a história do Sporting.

Falemos do Celtic. Aí apareceu a tua melhor época de sempre.

O Celtic queria-me por causa daqueles dois golos contra eles na Taça UEFA. Marquei o primeiro, depois tive uma micro-rotura, ao intervalo fizeram-me uma massagem de gelo e deram-me uma injecção de Voltaren. O Robson disse-me para sair e eu respondi que só o faria quando marcasse o segundo. Mais tarde, o Robson deu indicações minhas ao Celtic, além disso eu tinha marcado dois golos à Escócia, num 5-0 pela selecção no Estádio da Luz e os adeptos do Celtic [católicos de origem irlandesa] não se perdem pela selecção escocesa. Gostaram. Por fim, tinha treinado seis meses no Estádio Nacional, onde o Celtic ganhou em 66/67 a Taça dos Campeões Europeus e essa história saiu lá na imprensa de Glasgow. Começou a haver química... até me estou a arrepiar [fica em pele de galinha]... Na apresentação, quando entrei em campo toquei a relva, benzi-me e aí os adeptos passaram-se, viram aquele gesto católico, parecia que tinha sido golo do Celtic! No dia a seguir ao meu primeiro jogo tinha no balneário um fax com a letra de um cântico que os adeptos tinham para mim.

Lembras-te?

"There''s only one Jorge Cadete/He puts the ball in the netty/He''s portuguese and scores with ease/Walking in Cadete Wonderland." Naquela época de 1996/97 foram 47 jogos e 38 golos, sem penáltis! Ainda não confirmei, mas talvez seja dos poucos que chegaram a melhor marcador sem penáltis [o i foi confirmar e só em Portugal descobriu os exemplos de Vata, do Benfica-1989, e Fary, do Beira-Mar-2003]. No Sporting, houve um Boavista-Sporting em que sofro penálti, pego na bola e o Robson diz que é o Balakov a marcar. No jogo seguinte o Robson atribuiu-me os penáltis e eu respondi que enquanto ele lá estivesse eu não marcava mais. Foi só uma birra.

Mas como é que se larga o Celtic ao final de uma temporada dessas?

Quando lá cheguei para assinar por seis meses, ofereceram-me 8 mil libras por semana. Depois, para assinar por três anos, pagavam metade. Estive um dia para assinar o contrato. Pedi uma cláusula para poder sair, caso aparecesse um clube capaz de pagar o mesmo que o Celtic tinha pago, mas o presidente Fergus McCann deu-me apenas a palavra. Depois ainda me acusou de vir de uma república das bananas, apenas a pensar em dinheiro; ainda prometeu que me devolvia o dinheiro que eu estava a pagar ao Sporting se fizesse uma grande época. Ok, e escrever isso no contrato? Nada. "Dou-te a minha palavra." No final do ano dizia que não se lembrava de qualquer promessa.

É verdade que deste o nome de Fergus McCann ao teu canário?

Era só McCann. Disse isso a um jornalista escocês, expliquei-lhe que pelo menos o canário falava comigo. A história foi publicada e no dia seguinte, no clube, toda a gente se ria do presidente. Mas eu tinha justificação... McCanns há muitos! O presidente tinha chegado a um ponto em que já nem o bom dia me dava. Recusou propostas do Leeds, por mim, de dois, três, cinco, sete milhões de libras. E eu custei zero ao Celtic. No final da época fui para o Celta de Vigo.

Também te lembras do cântico que os rivais do Rangers tinham para ti?

Tinha um grande amigo do Rangers, que eu levava a ver aos jogos no Celtic e me falava disso. "Cadete, tem o cabelo como esparguete..." Bom, se havia 60 mil pessoas que cantavam o meu nome num estádio rival, então devia ser bom sinal.

O cabelo era a imagem de marca. Custou cortá-lo?

Não, nada. Quando fui do Celta para o Benfica já tinha cabelo mais curto. E no 6-3 em Alvalade também.

Por falar em Benfica...

Era o Benfica de Vale e Azevedo, Graeme Souness, o [empresário] Zahavi a tratar daquilo tudo... Marquei aquele golo ao Sporting e depois fui à SIC, ou à RTP, ver as imagens e provar que o golo tinha sido meu, ou seja, naquela noite não tinham existido dois autogolos do Beto (o outro foi de carrinho). O Benfica foi uma fase complicada, com muitos ingleses, com jogadores sem qualidade para o clube, alguns que chegavam e ao fim de dois dias já eram titulares. Não me receberam mal, nada disso, nem sequer vinha directamente do Sporting, mas havia pessoas que me viam na rua e diziam: "Ali vai o Cadete do Sporting."

E por fim o Estrela da Amadora.

Fui dispensado pelo Jupp Heynckes, um treinador que não teve sequer coragem de falar com os jogadores com os quais não contava.

 

In ionline.pt

 

Hora de almoço, encontro no Estádio Nacional. Cadete aparece em grande forma. "Já não jogo à bola, não faço nada de especial mas não tenho tendência para engordar; não gosto é de comer muito, não sou daqueles de ficar três horas à mesa a comer um cozido à portuguesa." Ups... Na quinta-feira, o restaurante para onde marcámos esta entrevista tinha cozido à portuguesa como prato único! Não há problema, em vez dos enchidos e das couves, há a conversa, entre cigarros, alguns cigarros. Sem segredos. É tudo às claras.



Este sábado há um Setúbal-Sporting, para a Taça. E o Cadete do Sporting, do Celtic, do Benfica... também jogou um ano em Setúbal.

Foi no meu segundo ano de sénior. Estava na pré-temporada no Sporting, houve um treino de conjunto em que fiquei de fora, depois decidi que não treinava mais. Andei oito dias assim, chegava lá e dizia que não treinava, queria sair para jogar. "Quero jogar!" Havia a hipótese do Académico de Viseu e do Portimonense mas, entretanto, através do Aurélio Pereira, houve o contacto para Setúbal. E lá fui... Tem a sua graça porque o treinador e o presidente são os mesmos de hoje, Manuel Fernandes e Fernando Oliveira. O Sporting só queria emprestar-me um ano, mas eles queriam dois. Sentei-me à mesa com o presidente do Sporting, Jorge Gonçalves, perguntei-lhe o que era preciso para me emprestar e ele disse que tinha de renovar contrato. Assinei em branco sem falar em verbas.

Manuel Fernandes ensinou-te muito?

Tinha sido colega do Manuel quando era júnior e treinava com os seniores do Sporting... mas então era o sr. Manuel Fernandes, o sr. Jordão, o sr. Vítor Damas...

Tinhas de tratá-los por "senhor"?

Foi o que me ensinaram os meus pais. Chegava lá e tratava-os assim, um a um. Hoje um miúdo vem dos juniores e nem diz ''bom dia'' à entrada do balneário.

O miúdo Cadete vinha de onde?

Nasci em Moçambique, em 76 vim para Portugal com a minha mãe, para uma aldeia perto de Santarém. Joguei em várias equipas, até um dia ir ao Sporting fazer um treino. O sr. Aurélio Pereira disse-me logo para assinar. Não percebi aquilo, no dia seguinte treinei novamente e fui para casa. Depois, no Académico de Santarém, marquei 43 golos em 18 jogos. Em 1984 assinei finalmente pelo Sporting.

Mas o teu pai queria-te no Benfica.

Ele era benfiquista. O Fernando Caiado, do Benfica, foi-me ver jogar ao Académico mas como estava a chover nem sequer saiu do carro para me cumprimentar. Abriu o vidro e disse para aparecer a treinar no Benfica. E eu... o Sporting tinha--me tratado de outra forma.

Já eras sportinguista?

Era portista, porque na vila moçambicana onde nasci, Porto Amélia [hoje Pemba], o clube local equipava como o FC Porto. Na altura o meu desporto era o hóquei, jogava hóquei em campo na rua, com uns sticks feitos dos ferros das obras. Ouvia os relatos todos do hóquei. Quando cheguei a Portugal o meu ídolo era o Fernando Gomes, mas ao final de um ano no Sporting comecei a ver aquilo tudo, ia aos jogos das modalidades todas, vivia 24 horas no centro de estágio e naturalmente fiquei sportinguista.

Como foi o salto?

A equipa principal precisava de um defesa direito e lá fui eu. Depois era preciso um defesa esquerdo e eu lá estava. Aí o John Toshack virou-se para mim e perguntou-me: "Afinal onde jogas?" Sei lá, só queria jogar. Num treino fiz um carrinho ao Jordão e ele virou-se para mim: "Miúdo, não voltas a fazer isso!" Na altura criei grande amizade com o Jaime Pacheco... e ele dizia-me: "Sócio, não tenhas medo que eu estou aqui para te defender."

Mas o Jordão não era calminho?

Sempre. E fechado para ele para próprio, muito sério e concentrado no trabalho. Depois encontrei-o em Setúbal, já um pouco diferente. Um miúdo como eu tinha muito respeito quando falava para uma figura daquelas.

Marcaste algum golo ao Damas?

Treinei e joguei com ele nas reservas, mas não, nunca marquei um golo ao Sr. Vítor Damas...

Já como capitão do Sporting voltaste a ter oportunidade de ir para o Benfica, na altura do "Verão quente".

Fizeram saber que gostavam de me ter no Benfica mas não aceitei. Uns tempos antes já tinha dito ao presidente Sousa Cintra que era homem de palavra. Numa ocasião, depois do regresso de uma digressão a Angola, renovei o contrato numa reunião de 45 minutos.

Em branco, outra vez? Já se ganhava bom dinheiro nessa altura?

Esse contrato não foi em branco. Se não fosse como sou talvez tivesse ganho mais dinheiro. Jogava por gosto e nunca me preocupei... Tanto que só a partir dos 27 anos é que tive um empresário. Quando cheguei a um ponto de ruptura no Sporting, em que era titular, capitão, melhor marcador, jogador de selecção, fui-me embora sem levar nada. Se fosse outro jogador ficava lá a treinar e ganhar o meu dinheirinho no final do mês.

Como é que chegaste à ruptura com o Carlos Queiroz?

Sei lá, talvez excesso de zelo de um treinador que chegou a um clube como o Sporting e, em termos de carreira, não tinha provas dadas; talvez receio da força que alguns jogadores tinham junto dos sócios. Sair acabou por ser um erro, é sempre um grande erro quando se trata de jogadores que sentem o clube e o colocam à frente de tudo - eu era operado nas férias e abdicava dos meus dias pelo Sporting.

Está visto que a polémica pós-Mundial com o Carlos Queiroz esteve longe de te surpreender.

Sim. Não entrando em detalhes e não pondo em causa o valor de Queiroz - tem capacidades, por exemplo, para ser uma pessoa decisiva na organização das competições, ou na Liga - os factos falam por si. Treinou selecções, o Real Madrid, o Sporting... e nada.

Se calhar o Queiroz não te deixava fumar um cigarrinho num estágio.

Nunca fumei muito, o meu primeiro cigarro foi aos 12 anos, depois voltei a fumar aos 19. Com o Robson, nos estágios do Sporting, ele deixava-nos fumar um cigarrinho a seguir ao almoço; ele sabia que assim era muito melhor do que fumar dois ou três seguidos, às escondidas... Os jogadores fumam, são pessoas normais, eu fumava o meu cigarrinho nessas alturas... mas acima de tudo o treinador tem de ser gestor de recursos humanos e não apenas perceber muito de táctica, técnica ou teoria.

Como é que Bobby Robson ganhava o balneário?

Robson é a minha referência. Dou um exemplo: um dia o Robson passa pela cabine e de repente manda-se para o chão agarrado a uma perna.

Atirou-se para o chão?

Atirou-se e depois dizia: "Capucho." Tudo porque o Capucho passava os treinos a mandar-se para o chão com um toquezinho qualquer. Uma vez, num jogo contra o Estrela, estávamos a ganhar 3-0, eu ainda não tinha marcado e ele tirou-me. Estava convencido de que ia marcar nos últimos minutos, ainda por cima estava a lutar pelo título de melhor marcador, mas mesmo assim saí. Nem o cumprimentei no banco, depois, estou no banho e ele aparece a sorrir. Viro-me de lado, vou para o autocarro - desde o tempo do Manuel Fernandes, o capitão sentava-se sempre no lugar da frente, à direita, na fila ao lado da do treinador - o Robson depois senta-se ao meu lado e passa o tempo a gozar comigo, a dar-me toques na perna. Desmanchei-me a rir. Se fosse com outro qualquer...

Qual foi o melhor jogador que tiveste ao lado? Balakov?

Foi um dos melhores. Quando o Balakov chegou ao Sporting ficámos todos muito assustados porque ele praticamente não conseguia controlar uma bola. Estava a treinar à experiência e tinha grande ansiedade em mostrar-se. Depois disso, começou a jogar e foi o que se viu.

Nessa fase, como foi possível o Sporting não ganhar nada de especial?

Pois... apenas uma Taça e uma Supertaça. Talvez por ter sido uma altura de transição... Tínhamos excelente grupo, média de idades de 24/25 anos, havia ali futuro para uns dez anos, um treinador inglês com currículo, mas não se soube aproveitar isso. Talvez por influências, maus conselheiros, interesses vindos de fora...

Até parece que estamos falar do Sporting de hoje.

Aprendi com os meus pais que devia sempre dizer a verdade: no passado, se estivesse a acontecer o que se passa hoje, de certeza que muita coisa já tinha mudado no Sporting.

Chegaste a falar com Bettencourt para discutir um regresso ao Sporting?

Desde Outubro de 2009 a Outubro de 2010, depois de ter falado com Bettencourt após um jogo com o Belenenses no Restelo, fiquei à espera de uma reunião que acabou por nunca acontecer. Sei por que razão não aconteceu, foi porque existe um preconceito em relação ao meu sportinguismo, em relação ao facto de ter jogado pelo Benfica, de ter marcado ao Sporting e de ter festejado. Mas eu sempre festejei os meus golos! Marquei contra o Setúbal, onde joguei, e festejei! Não festejar é que é uma falta de respeito pelos novos adeptos. Quando rescindi com o Sporting, a 17 de Novembro de 1995, depois do jogo pela selecção contra a Rep. da Irlanda [marcou o 3-0], acusaram-me de ir embora e deixar o Sporting sem avançados, mas esqueceram-se que os dois anos antes passei--os no banco e fui emprestado para o Brescia. Em 1995/96 fui o melhor marcador da pré-temporada e mesmo assim não entrava nos convocados... Foram quase dois anos em que quiseram mandar-me para o Estrela da Amadora, Guimarães, Farense, Marítimo, aí ninguém se preocupava comigo; mas depois, quando rescindi porque os responsáveis não me queriam no plantel, fui embora e ainda tive de indemnizar o Sporting.

Pagaste para sair?

Tivemos de chegar a acordo, fui para a Escócia ganhar metade do que ganhava em Portugal: 12 mil euros limpos por mês, a outra metade era o prémio de assinatura, que foi todo para o Sporting. Mais a receita de um jogo na Escócia, em que supostamente uma parte deveria sobrar para mim... e não sobrou nada.

Depois, antes do Benfica ainda se falou no regresso a Alvalade.

O Sporting foi avisado do interesse do Benfica, primeira, segunda vez... até dizerem que era bluff. Quarta, quinta... disseram que não me enquadrava nas necessidades do clube. Assinei pelo Benfica e sempre me preocupei em ser profissional, aliás, até os adeptos o reconheceram. Se calhar tudo isto me fecha um pouco as portas... Mas jogadores como o Pedro Venâncio, o Carlos Xavier, eu, o Oceano... somos três ou quatro que no FC Porto, no Benfica ou em qualquer grande clube da Europa seríamos aproveitados para ajudar o clube, fosse na formação ou nas relações externas.

O que achas da liderança do Costinha?

O Costinha é o responsável pelo futebol profissional, mas o clube não é só futebol profissional. Há a formação, os adeptos, os sócios, os núcleos. Se não forem valorizados - e com os resultados a ajudarem pouco - o clube entra em declínio. Bem ou mal, Costinha faz o seu papel, mas numa SAD quem manda é a administração. E a administração é que tem de manter a história do Sporting.

Falemos do Celtic. Aí apareceu a tua melhor época de sempre.

O Celtic queria-me por causa daqueles dois golos contra eles na Taça UEFA. Marquei o primeiro, depois tive uma micro-rotura, ao intervalo fizeram-me uma massagem de gelo e deram-me uma injecção de Voltaren. O Robson disse-me para sair e eu respondi que só o faria quando marcasse o segundo. Mais tarde, o Robson deu indicações minhas ao Celtic, além disso eu tinha marcado dois golos à Escócia, num 5-0 pela selecção no Estádio da Luz e os adeptos do Celtic [católicos de origem irlandesa] não se perdem pela selecção escocesa. Gostaram. Por fim, tinha treinado seis meses no Estádio Nacional, onde o Celtic ganhou em 66/67 a Taça dos Campeões Europeus e essa história saiu lá na imprensa de Glasgow. Começou a haver química... até me estou a arrepiar [fica em pele de galinha]... Na apresentação, quando entrei em campo toquei a relva, benzi-me e aí os adeptos passaram-se, viram aquele gesto católico, parecia que tinha sido golo do Celtic! No dia a seguir ao meu primeiro jogo tinha no balneário um fax com a letra de um cântico que os adeptos tinham para mim.

Lembras-te?

"There''s only one Jorge Cadete/He puts the ball in the netty/He''s portuguese and scores with ease/Walking in Cadete Wonderland." Naquela época de 1996/97 foram 47 jogos e 38 golos, sem penáltis! Ainda não confirmei, mas talvez seja dos poucos que chegaram a melhor marcador sem penáltis [o i foi confirmar e só em Portugal descobriu os exemplos de Vata, do Benfica-1989, e Fary, do Beira-Mar-2003]. No Sporting, houve um Boavista-Sporting em que sofro penálti, pego na bola e o Robson diz que é o Balakov a marcar. No jogo seguinte o Robson atribuiu-me os penáltis e eu respondi que enquanto ele lá estivesse eu não marcava mais. Foi só uma birra.

Mas como é que se larga o Celtic ao final de uma temporada dessas?

Quando lá cheguei para assinar por seis meses, ofereceram-me 8 mil libras por semana. Depois, para assinar por três anos, pagavam metade. Estive um dia para assinar o contrato. Pedi uma cláusula para poder sair, caso aparecesse um clube capaz de pagar o mesmo que o Celtic tinha pago, mas o presidente Fergus McCann deu-me apenas a palavra. Depois ainda me acusou de vir de uma república das bananas, apenas a pensar em dinheiro; ainda prometeu que me devolvia o dinheiro que eu estava a pagar ao Sporting se fizesse uma grande época. Ok, e escrever isso no contrato? Nada. "Dou-te a minha palavra." No final do ano dizia que não se lembrava de qualquer promessa.

É verdade que deste o nome de Fergus McCann ao teu canário?

Era só McCann. Disse isso a um jornalista escocês, expliquei-lhe que pelo menos o canário falava comigo. A história foi publicada e no dia seguinte, no clube, toda a gente se ria do presidente. Mas eu tinha justificação... McCanns há muitos! O presidente tinha chegado a um ponto em que já nem o bom dia me dava. Recusou propostas do Leeds, por mim, de dois, três, cinco, sete milhões de libras. E eu custei zero ao Celtic. No final da época fui para o Celta de Vigo.

Também te lembras do cântico que os rivais do Rangers tinham para ti?

Tinha um grande amigo do Rangers, que eu levava a ver aos jogos no Celtic e me falava disso. "Cadete, tem o cabelo como esparguete..." Bom, se havia 60 mil pessoas que cantavam o meu nome num estádio rival, então devia ser bom sinal.

O cabelo era a imagem de marca. Custou cortá-lo?

Não, nada. Quando fui do Celta para o Benfica já tinha cabelo mais curto. E no 6-3 em Alvalade também.

Por falar em Benfica...

Era o Benfica de Vale e Azevedo, Graeme Souness, o [empresário] Zahavi a tratar daquilo tudo... Marquei aquele golo ao Sporting e depois fui à SIC, ou à RTP, ver as imagens e provar que o golo tinha sido meu, ou seja, naquela noite não tinham existido dois autogolos do Beto (o outro foi de carrinho). O Benfica foi uma fase complicada, com muitos ingleses, com jogadores sem qualidade para o clube, alguns que chegavam e ao fim de dois dias já eram titulares. Não me receberam mal, nada disso, nem sequer vinha directamente do Sporting, mas havia pessoas que me viam na rua e diziam: "Ali vai o Cadete do Sporting."

E por fim o Estrela da Amadora.

Fui dispensado pelo Jupp Heynckes, um treinador que não teve sequer coragem de falar com os jogadores com os quais não contava.

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