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Dominguez - Do mais pequeno reza a história PDF Versão para impressão Enviar por E-mail
Segunda, 12 Abril 2010 21:46
100412_dominguezÉ sempre a mesma conversa. Em Dezembro, queremos enviar correio internacional e as respostas são sempre evasivas: "Agora mete-se o Natal e tal... não sabemos quando é que a carta chega." Em Fevereiro furamos um pneu na sexta-feira e a resposta da garagem é desanimadora: "É pá, agora mete-se o fim-de-semana grande, mete-se o Carnaval e talvez só lá para quarta-feira." Em Abril queremos entregar o IRS à última hora e mais do mesmo: "Sabe que isto agora está difícil... Mete-se a Sexta-Feira Santa e o Domingo de Páscoa."



Quando o i ligou a Dominguez, era véspera de Sexta-Feira Santa e o ex-jogador avisou logo para a correria a que estava sujeito nesta época do ano. "É a família", justificou-se. A entrevista ficou então marcada para terça-feira, a uma semana do dérbi de Lisboa, e até calhou bem porque a ideia do i era falar com o jogador mais pequeno de sempre em dérbis (Dominguez) sobre o jogo grande. O de amanhã, na Luz, entre o Benfica, que formou Dominguez ("dos nove aos 18 anos", diz com indisfarçável orgulho), e o Sporting, que apostou nele aos 21 anos (era, nessa altura, o jogador melancia: vermelho por dentro, verde por fora). Outros tempos...

Agora, Dominguez, 36 anos, está afastado dos relvados mas continua ligado ao futebol, a fazer o curso de treinador nível 2 da UEFA, na mesma turma que Dani e Jorge Andrade, entre outros, e um outro de director-desportivo. Entre tanta aprendizagem, Dominguez esteve 65 minutos ao telefone com o i, numa gloriosa volta ao passado, e a conversa só foi interrompida pela vertiginosa proximidade do Barcelona-Arsenal. Era tempo de ver Messi em acção. Para trás, as aventuras na selecção nacional mais aquelas no Benfica, no Birmingham (primeiro português a ganhar uma competição em Inglaterra - a Taça da Liga, não a mais conhecida mas uma outra organizada apenas para equipas da segunda divisão para baixo, em 1995), no Sporting, no Tottenham (primeiro português a jogar na Premiership, em 1997, antes de Boa Morte, e o mais baixo de todos os jogadores, estrangeiros e ingleses, até hoje), no Kaiserslautern (eleito jogador do ano pelos adeptos do clube em 2003), no Al-Doha (Qatar) e no Vasco da Gama.

Dominguez gosta de falar, trata o entrevistador por tu e anima-se a contar as histórias. É a boa disposição em pessoa. Ou não fosse ele aquariano.

Rui, agora é que é. Finalmente podemos falar a vontade. Desculpa lá o adiamento da semana passada mas passei a Páscoa com a família.

Não há problema. Desculpo-te porque és Aquário como eu.

Quando é que fazes?

No mesmo dia que tu (16 de Fevereiro).

Chiii. E no mesmo dia do Dimas, do Paneira, do Valentino Rossi. Fomos abençoados, Rui!

OK, mas tu é que jogaste em três continentes e em dois mundos tão diferentes como Benfica e Sporting.

É verdade, não me posso queixar. Foi uma carreira em grande. Como eu [risos]...

E tudo começou no Benfica.

Entrei aos nove anos e só saí de lá aos 18. Tive tantos treinadores exemplares: Arnaldo Teixeira, Arnaldo Cunha, Bastos Lopes, Nené, Coluna, Ângelo...

Ângelo [bicampeão europeu pelo Benfica em 1961 e 1962 como defesa- esquerdo mas de uma irreverência tal que uma vez foi expulso com o Sporting e agrediu um vendedor de gelados antes de chegar ao balneário, razão pela qual foi suspenso pela federação por um ano] e Coluna [também bicampeão europeu, mas um médio elegante, capitão do Benfica por 13 épocas]? Em épocas diferentes, claro?

Qual quê? Ao mesmo tempo. Era o oito e o 80 [parte-se a rir]. O Ângelo sempre agitado, o Coluna sempre calmo. As vezes, na palestra, até julgávamos que ele [Coluna] tinha acabado de falar e já nos preparávamos para sair do balneário quando ele recomeçava a falar. Aquela dupla era de ouro, profissional e, sobretudo, pessoalmente.

E como joga um benfiquista pelo Sporting?

Aos 18 anos, o Benfica pôs-me a rodar. Primeiro no Sintrense (1992-93), depois no Fafe (1993/94). A meio dessa última época, apareceu o Birmingham, da segunda divisão inglesa, e o Benfica deixou-me sair. Mas sabes quais são as minhas melhores histórias dos Benfica-Sporting?

Quais?

Uma em que era apanha-bolas na Luz e o Benfica deu 5-0, e todos os golos na primeira parte. Eram os tempos em que ser apanha-bolas era uma diversão fora do comum porque íamos ao estádio, estávamos mesmo dentro do campo e ainda jogávamos a bola no intervalo, atrás das balizas. Muitas vezes éramos aplaudidos pelos adeptos. Outra história engraçada é a dos 7-1 em Alvalade [14 de Dezembro de 1986]. Também estive lá. Nasci e cresci no Bairro Alto. E no Largo do Carmo, onde eu morava, a malta era quase toda do Sporting. Da Juve Leo. Então fui com eles à bola. E comecei a encher: 1-0, 2-0. Até que o Wando reduziu e eu quietinho no meu lugar, sem me levantar nem nada. Está quieto! E lembro-me disto como se fosse hoje: um amigo meu sentou-se ao meu lado e disse-me que o Benfica ia recuperar ao que eu respondi, e isto é verdade: "Garanto-te que o Benfica vai mas é começar a atacar, a atacar, a atacar e vai sofrer mais cinco golos." Mas porque é que fui abrir a boca? Não é que foi mesmo 7-1? Nesses tempos, eu ia muito à bola. A maior parte das vezes com o meu pai. Ainda me lembro de ir com ele ver aqueles Benfica-Liverpool no incio dos 80, para a Taça dos Campeões, com o Rush a marcar-nos golos. E pensar que ainda joguei contra ele.

Num Liverpool-Birmingham?

Exactamente, lá em Anfield. Ele já entradote e eu a começar.

Não era no Birmingham que havia uma mulher presidente?

Ah, a Karren Brady [hoje, vice-presidente do West Ham]. Mas ela não era presidente, era a directora-geral. Às vezes entrava pelo balneário dentro sem pestanejar para falar com os jogadores. E isso já foi há 15/16 anos, hã?! Do que nunca mais me esquecerei é das palavras do meu treinador do Birmingham, um tal Barry Fry, muito porreiro. Sempre que ia entrar, segurava-me no ombro e dizia-me ao ouvido: "Son, enjoy yourself." Simplesmente: "Filho, diverte-te." Aquilo lá em Inglaterra é outra coisa.

Em que aspecto?

O Boxing Day, por exemplo. Naquele dia [26 de Dezembro], as famílias saem de casa para ir ao futebol e estou a falar de famílias inteiras: pai, mãe, filho, filha, avô, avó. Tudo para dentro de um estádio. E depois só em Inglaterra é que um estádio com 30 mil pessoas faz tanto ou mais barulho que um de 80 ou 90 mil. Eu ficava arrepiado sempre que partia para o contra- -ataque. Aquele bruá deles assustava-me e "eles" eram os meus adeptos. Aquele som era tão ensurdecedor que nos levava a pensar que tínhamos marcado um golo quando na verdade apenas acabávamos de passar o meio-campo.

Sabias que ainda és o jogador mais baixo da Premiership?

Não fazia ideia. Quer dizer, sei que sou baixo mas tanto assim [e mais risos]...

Alguma vez marcaste um golo de cabeça?

Em Inglaterra, não. Mas em Portugal, sim. Nos infantis do Benfica, contra o Belenenses, numa final do Torneio da Pontinha. Ganhámos 2-1 e eu marquei o golo decisivo, no meio dos centrais.

Parecias o Baixinho no Mundial-94.

O Romário? Até parece! Esse era um génio dentro da área, fosse como fosse. Até com a barriga ele marcava golos. Fui companheiro dele no Vasco da Gama. Eu chamava-lhe "general", ele respondia-me com "portuga". Há um respeito enorme por ele. É um herói nacional. Ele, no Vasco, tinha os seus horários: nunca jogava fora do Rio de Janeiro e só ia aos treinos de conjunto de quinta-feira, mas cumpria dentro do campo, com golos. Alguns deles de cabeça. Sabes porquê? Além do jeito para o futebol, ele tinha cabeça, ou seja, sabia estar fora do campo. Quando íamos jantar em grupo ou a um aniversário de um amigo, nunca o vi a beber álcool ou a fumar e isso faz a diferença.

Que outros grandes jogadores faziam a diferença?

Vi tantos. O Klinsmann (Tottenham), o Sforza, o Klose, o Basler (Kaiserslautern) e o Ginola (Tottenham). Bem, uma vez vi o Ginola marcar dois golos num jogo. Num dos golos, fintou dois adversários com o pé esquerdo e rematou com o direito. Logo a seguir, a mesma jogada mas esta com o pé direito a fintar e o esquerdo a rematar. Era um génio. O problema é que eu e ele não jogámos muito no Tottenham, porque o George Graham, o treinador, achava que não resultávamos. Quando o David [Ginola] era titular, eu era suplente e vice-versa. Nos jogos em casa, quando as coisas estavam cinzentas aos 20/30 minutos, o Graham mandava-me aquecer junto à linha. Os adeptos como que acordavam, a equipa arrebitava, marcava um golo, dois até, e eu voltava ao banco para não sair de lá. Era o isco [gargalhadas sonoras] e eu brincava com o Ginola sobre isso. Fomos companheiros de quarto por três anos e ainda há uma semana lhe liguei para saber como estavam as coisas. Ele continua a viver em Londres.

A cidade que o viu despedir-se da selecção nacional.

Pois. Foram duas internacionalizações e uma honra enorme ouvir e cantar o hino. Também me lembro de outras aventuras nas camadas mais jovens, como os Jogos Olímpicos de Atlanta-96.

Ai ficámos em quarto lugar...

Mas podíamos ter ganho uma medalha. E não falo só do jogo para o bronze, com o Brasil de Dida, Aldair, Roberto Carlos, Flávio Conceição, Juninho Paulista, Bebeto, Ronaldo Fenómeno, em que falhei dois golos antes daquele festival deles que acabou 5-0. Falo também da meia- -final. Perdemos 2-0 mas faltou-nos alguma sorte com a Argentina de Bossio, Ayala, Sensini, Ortega, Simeone, Claudio López, Crespo.

E o Javier Zanetti?

Também lá estava. E deve lembrar-se de mim [o homem não pára de rir]. Ele era o defesa-direito e eu o extremo-esquerdo. Dei-lhe tanto trabalho [não dá, ele continua a rir-se]. No estádio estavam representantes da Nike USA, que no final do jogo me ofereceram um contrato de quatro anos [na altura, Dominguez só estava ligado à Nike Portugal].

Nesses Jogos Olímpicos, já eras do Sporting. Ainda não explicaste como é que foste lá parar.

Perdemo-nos no caminho das histórias. Estava eu no Birmingham quando o professor Queiroz me quis contratar para o Sporting. O Benfica meteu-se no negócio e até tive uma reunião com um dirigente, o Francisco Colaço. Mas a verdade é que me pareceu ilógico o Benfica querer-me dois anos depois de ter vendido o meu passe por um preço irrisório.

Alguma história de campo em jogos Benfica-Sporting?

Só a do very light. Ao intervalo, estávamos desorientados e chegámos a pensar em não entrar na segunda parte. Mas estávamos a perder 2-0 e ainda não havia muita informação sobre o very light. Uns jogadores diziam que um adepto do Sporting tinha morrido, outros tinham uma informação contrária. Enfim... Entrámos para a segunda parte e perdemos 3-1. Foi um dia triste para o futebol. Que não se repita nunca.

E vais estar onde terça-feira?

Quero ir ao estádio mas antes tenho de saber se há aula do curso de director-desportivo. É que isto meteu-se a Páscoa e sabes como é. Se der para ir à Luz, vou e até levo comigo uma visita que adora o nosso país: o Aleksandr Knavs, antigo defesa-central da Eslovénia e meu companheiro de equipa no Kaiserslautern.

Onde foste treinado pelo mítico Andreas Brehme, outro esquerdino como tu. Como é que foi o encontro?

Entrei com o pé direito, com boas exibições e alguns golos, mas depois foi com o pé esquerdo.
Então?

Os treinos eram muito puxados. O preparador físico dele era muito exigente e a equipa partiu-se. Oito jogadores não se aguentavam naquele ritmo de correr 12 km de manhã e outros 12 à tarde. Nós não éramos maratonistas. Nem queríamos ser. Eu fui dos que me partiram. Tinha problemas físicos. Uma vez recuperado num treino normal, o preparador físico dizia-me para correr de uma área a outra e voltar. Ou seja 300 metros. E para fazer esse exercício dez vezes! Acabava... Nem sequer acabava, ao sétimo exercício já estava novamente com dores. Uma vez, fui ter com o preparador e o Brehme e disse-lhes que gostava de ser visto pelo médico da selecção alemã, que eu conhecia bem porque já me tratara de uma hérnia inguinal, nos tempos do Tottenham. O Brehme ficou muito espantado e telefonou ao médico à minha frente. Nessa semana fui visto por ele e o médico ligou ao Brehme à minha frente a dar-lhe na cabeça: como era possível ter desfeito o meu tendão de Aquiles. A partir daí, só joguei uma vez. No meu dia de anos.

E do Dimas, do Paneira, do Valentino Rossi.

E não te esqueças do teu. Mas retomando o assunto do Brehme, ele chegou ao balneário e disse-me que ia jogar naquele dia, com o Bayer Leverkusen do Ballack. Ganhámos e eu fiz uma boa exibição, ao ponto de ter sido eleito o melhor em campo. Depois nunca mais joguei com o Brehme. Só com o Éric Gerets, um belga que ocupou o lugar dele. E com o Gerets era outra coisa. O homem era um espectáculo. Passávamos horas a falar até sem ser de futebol. E confidenciou-me que já me queria contratar nos tempos dele no PSV Eindhoven mas que não tinha dado e que agora ia aproveitar-me ao máximo. E assim foi. Estou-lhe grato (espera aí, estão a ligar-me... É o Dani. Ele que espere um bocadinho que já lhe ligo).

Já me esquecia. E tu, Dani e Sá Pinto no Sporting. Deram que falar...

Nada de especial. Há amigos que ficam para a vida, como eles. Como o Oceano. Como o Beto. Nós os três éramos de facto muito unidos. Nada mais.

Lembro-me de uma história em que vocês foram modelos.

Foi um exagero. Participámos nessa passagem de modelos com autorização do Sporting e a pedido da Associação Abraço. Nós só desfilámos na parte final, com bolas de futebol. Não sei quantos meses depois, e para justificar uma derrota com o FC Porto em Alvalade que implicou o atraso na corrida ao título de campeão nacional, é que os jornais escreveram que tínhamos sido modelos, que não devíamos fazer isto e aquilo.

OK, e aquela vez das bicicletas na Holanda?

O estágio em Ooijerwick? É outra história mal contada. O professor Carlos Queiroz deu-nos a tarde livre e eu, o Dani e o Sá Pinto vimos ali as bicicletas, aquelas que têm uma cestinha à frente, as pasteleiras se não me engano, pegámos nelas e fomos dar uma volta. Aquela zona era um espectáculo de verde e sossego. Andámos e andámos. Quando chegámos ao hotel, o nosso tradutor viu-nos e comentou. O Queiroz ficou zangado connosco mas não porque tenhamos feito alguma coisa de mal, como os jornais sugeriram. Estava zangado porque andámos três horas de bicicleta em vez de descansarmos. Ele tinha razão.

É tudo, Dominguez. Muito obrigado pela conversa.

Obrigado eu, pela viagem ao passado. Qualquer dia, temos de juntar essa malta do 16 de Fevereiro para beber um café [ri-se que nem um perdido].

Só se não for na Páscoa.

[Esta parte Dominguez já não ouviu. Já devia estar a ligar a Dani].

 

In ionline.pt

 


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